Em abril, eu estava em uma angústia horrível e precisava extravasar de alguma forma. Como não me sentia confortável em casa, aluguei uma casinha para passar uma semana no Rio de Janeiro. Inclusive, descobri que tenho um relacionamento abusivo com a cidade maravilhosa: eu amo e estou sempre querendo ir para lá, mas definitivamente me dou muito mal toda vez que vou, rs.
A casinha tinha uma vista incrível, era em um bairro muito fofo; foi amor à primeira vista. Para lá eu fui com a minha mala gigantesca, cheia de coisas que não ia precisar e nem usei… Cheguei e descobri que, para acessá-la, eu tinha que subir três lances da escada mais mal feita já construída pela humanidade, em um terreno superíngreme. E, como pouca desgraça para corno é pouca, cheguei debaixo de uma chuva torrencial.
Contextualizando o cenário azarado: eu havia descoberto uma traição no meu relacionamento, mais especificamente dentro da minha casa. Ele me contou com requintes de crueldade, pois levei meses para juntar as peças entre verdades e mentiras, o que doeu muito mais. Então, não sei bem o que foi verdade, o que é mentira e o que minha cabeça resolveu preencher no meio da história. Só sei que nunca havia sentido uma dor parecida com aquela antes.
E agora estava no Rio, pronta para viver uma semana de luto na minha cidade preferida, mas sendo testada pela vida como se um par de chifres não fosse o suficiente. Obrigada, 2025! Eu tinha colocado na minha lista de resoluções de ano novo fazer mais coisas pela primeira vez e fiz: levei chifre, fui ao psiquiatra, saí medicada e carregando remédios para ansiedade! A vida tem um jeito irônico de esfregar algumas coisas na nossa cara, né?
Enfim... Lá estava eu, superando as adversidades e pensando onde foi que me abandonei a ponto de achar que não conseguia me virar sozinha. Por que tanto medo? Era para ser só uma escada, e o casamento era para ser uma parceria, com amor, respeito, amizade e vulnerabilidade. Eu estava dando tudo de mim a ele, sim, tanto que preferia escolher a relação em vez de a mim. Eu sei, isso não tem nada de saudável e, apesar de ter sido criada em uma família conservadora, eu sempre fiz questão de ser o ponto fora da curva. Por que justamente em um casamento, essa instituição escrota, eu achei que podia ser incrível, que seria para sempre?
Os dias se passaram e percebi que havia ido para lá para deixar uma versão minha morrer, uma que não me servia e nem combinava comigo. E foi exatamente o que aconteceu quando eu voltava de um show de ska no Leme, subindo a escada para voltar para a casinha, e parei no segundo lance. Fiz a besteira de olhar para trás e vi o Rio todo lá embaixo. Comecei a ter uma crise de ansiedade ali sozinha, o ar querendo fugir dos meus pulmões, as mãos agarrando desesperadamente um corrimão vacilante. Nesse momento, vi parado na minha frente um gatinho laranja. No meio do pânico, tive medo de ele ter medo de mim e pular em cima da minha cara, arranhando tudo. Sim, poderia ser uma cena engraçada, mas eu estava entendendo o tamanho do poço em que a vida tinha me empurrado. Mas foi ele que me fez voltar e pensar: "Deixa ir! Deixa morrer o que não serve mais, dá espaço para outra Raquel chegar, essa aqui é a sua morte, bora?".
Eu respirei, me concentrei para não parar de vez, mesmo com as pernas bambas e o degrau minúsculo sob os pés. Tentei me concentrar na respiração para não começar a chorar ali, senão não sairia daquele degrau até alguém aparecer.
Consegui sair e cheguei na casinha em um misto de "socorro, Deus" com uma crise de choro e orgulho de não ter parado, de ter me acudido sozinha e sem remédio ali de bate-pronto. Foi assim que senti que deixei morrer o que não dava mais para carregar.
Depois disso, senti que essa era a hora de renascer. Minha essência sempre foi a de procurar minha liberdade de ser quem eu sou, de me experimentar, de me sentir, e eu nunca precisei machucar ninguém para isso. Então, não era agora que ia começar, certo?
A liberdade pede a coragem de não parar na escada durante uma crise, esperando que alguém apareça para me salvar. Ela tem um preço que agora parece alto demais, mas algo me diz que, se eu seguir nessa escada, encontrarei o conforto que tanto busco.
Seguimos, eu e ele, tentando fazer esse relacionamento dar certo, entre trancos e barrancos, feridas profundas e novas descobertas sobre nós mesmos. Mas é certo que a minha expectativa de me encontrar é muito maior do que reconstruir o amor e a parceria com ele.
E lembra que falei que estava levando uma mala para o Rio maior do que precisava e levei muitas coisas que nem usei? Pois é, acho que a vida está exatamente nesse ponto, mostrando que há pesos que não preciso carregar mais, para que eu possa correr de braços abertos para a liberdade de me encontrar.






Quanto tempo será que dura o luto? Do que sonhei, do que acreditei, do que inventei, do que eu quis e não foi? O que acontece depois que a gente morre?
Uma colega disse esses dias que maturidade é saber a hora de levantar da cadeira onde a gente sentou pra chorar. Um saco isso. Um saco o que fez a gente chorar e o que machucou. Mas parece que você tá inventando seu movimento de se levantar 🫰